domingo, 28 de março de 2010

Falando Mal da Escola #01

Há algo de muito perverso na construção do imaginário dos estudantes, neste país. Além da supressão de conteúdos de Lógica, Cálculo, Física Moderna (que nos deixa atrás de todos os países sérios do mundo, que pena) e de uma exposição excessiva a bobagens mal-definidas em Gramática (vide os sucessivos acordos ortográficos) e Química (vide eternas e preciosistas mudanças anuais da IUPAC), quero dizer. Algo além da falta de discussões sobre Literatura Contemporânea e seu eterno processo referencial, algo além da falta que faz uma abordagem sobre Filosofia da Linguagem, além do aparente desprezo de certas instituições por Álgebra Linear, Óptica Física, Geometria Plana, estudo das Cônicas, Teoria dos Números e Trigonometria.

É algo sobre o que a sociedade sugere, através da escola, como paradigma da sociedade. Ela ensina que a religião da verdade, a religião confiável e eficiente do homem moderno é a 'Ciência', e que os cientistas são os esforçados, e talvez os heróis, senão deuses, da nossa realidade. Mas nunca fala que quem atende, afinal, os interesses (supostamente) mais pertinentes do homem é a 'Tecnologia', e que a 'Ciência Moderna' só foi criada para que, no final, houvesse uma 'Engenharia Moderna' apta para construir arcabuzes, caravelas, grilhões, teares mecânicos e minas terrestres.

Curiosamente, ao mesmo tempo que as aulas de História dão uma relevância especificamente grande para os grandes momentos da medíocridade humana, a Física e a Química simplesmente se omitem de comentar que foi nestes mesmos momentos que seus estudos mais se desenvolveram! Não reclamo sobre fazerem segredo acerca de toda a imensa pesquisa antropológica existente sobre a relação óbvia entre desenvolvimento/progresso e conflito, sobre a evolução gerada pelo desafio. Não peço nem que ensinem às crianças brasileiras que o que move o homem são as grandes perguntas, e não as grandes respostas ('42' de Douglas Adams? huaha), assim como não reclamo das instituições que não ensinam Latim, Francês, Desenho Técnico, Filosofia e Sociologia... Mas reclamo de simplesmente ser OMITIDO, da forma mais que negligente e compulsiva, o fato de que a Mecânica de Newton e a Hidrodinâmica de Bernoulli surgiram conforme os europeus precisam aperfeiçoar seus navios e rifles p'ra fazer escravos na África e colônias na América. Reclamo sobre a omissão da relação entre as descobertas de Joule e o surgimento da Revolução Industrial focada na formação de novas formas de desigualdade além da geográfico-cultural. Falo sobre o crescimento explosivo em pesquisa e desenvolvimento que só militares e governos podiam dar, e que só poderia ter lugar em momentos como a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Falo sobre a falta que faz alguém p'ra aproveitar e discutir a relação entre dinheiro e ciência... e perguntar-se: não seria TODA CIÊNCIA, afinal, apenas um artificio, uma nova linguagem para se falar em dinheiro?

A exploração das desigualdades (abstratas e não-naturais, claro!) entre e pelos homens é a coisa mais hedionda de nossa história, ao mesmo tempo que é também a mais tipicamente humana. Seja quando consistia na diferença entre filhos de nobres e filhos de não-nobres, na diferença entre ameríndios e europeus, entre brancos e negros, entre os donos das máquinas e seus operários, entre brancos judeus e brancos arianos, entre ricos e pobres, entre paulistas e cariocas, enfim, a diferença é o nosso instrumento do valor agregado, da taxação, da restrição que sempre convém a alguém. Ok. Mas esconder isto dos livros de história é um erro terrível. E falar sobre o que foi feito durante essses momentos nos livros de Física, Química e Matemática sem citar as verdadeiras motivações, uma trapaça. Leonardo Da Vince era conterrâneo (e empregado) da sangrenta Família Médici, Heisenberg era nazista (enquanto Schrödinger era judeu), Santos Dumont presenciou a estruturação da França republicana, o caso Dreyfus e o surgimento da Primeira Guerra...

Às vezes também parece que há um medo em se ensinar 'História da Matemática', 'História da Física'... há muito medo de se ter que demonstrar os Teoremas, de se falar em Geometria Clássica e 'Os Elementos'... De deixar que se saiba que Lewis Carroll e Aldous Huxley (este último até visitou as favelas cariocas em 1958, quem diria) eram matemáticos... Todos querem erguer monumentos à Ciência, mas ninguém comentar de onde esta tendência ufanista veio. Ninguém quer ler Bertrand Russell e entender que toda ciência é apenas uma linguagem, com gramática e literatura sempre artificiais, arbitrárias e pragmáticas. É ensinado para muito poucos que o compromisso dela não é dizer "porque", mas sim "como" as coisas acontecem. Que, como em toda outra linguagem, esta tem um propósito especifíco, que é permitir que sejam feitas criações partindo de descrições da natureza. A Ciência não contém a verdade, nunca o fez. Como Nietzche, Platão e Sócrates sugerem, ela não chega nem perto da 'essência' das coisas, mas se restringe apenas a um processo de metáfora, de referenciação, de descrição limitada. Na verdade, nosso pequeno cérebro ("com as portas da percepção fechadas", diria Huxley) não é capaz nem de conceber novas dimensões ou cores, embora ambas simplesmente existam. Que maldita definição de 'verdade' espera-se, afinal, ensinar nas escolas, às crianças?

Já dizia Jiddu Krishnamurti: "As idéias não são a verdade, a verdade é algo que deve ser testado diretamente, de momento a momento."

Filologia Alternativa

É muito interessante o valor agregado e ao mesmo tempo oculto de certas palavras em nossa realidade. Muitas vezes palavras rigorozamente fora de seu âmbito canônico e mais abrangente têm um significado específico que não compreende de forma óbvia o termo original. Muitas vezes algumas palavras parecem explorar alguma ambiguidade no seu trânsito de sentidos, algo quase subliminar, quase perverso, presente apenas para o olhar mais atento (ou seria o mais displicente?).

'Consumir', além de ser a base para a sustentação de nossa sociedade, o paradigma real do homem moderno, e a verdadeira motivação por trás de toda a nossa ciência e tecnologia, também é corroer até acabar, destruir. 'Consumição' significa inquietação, apreensão, e 'consumar' é terminar, acabar.

'Propriedade'
, reflete, em sim mesma, a importante, recorrente e estúpida união que fazemos de dois conceitos: consumo e identidade. É aquilo que se possui (o que se tem), e ao mesmo tempo algo que se é (característica, particularidade). Há uma referência sobre 'próprio' (o 'self', o 'eu mesmo', 'auto')... e também aos 'bens' (veja aqui o julgamento moralmente maniqueísta e estóico sobre o que é ter algo). A palavra parece querer refletir toda a nossa postura de auto-afirmação da identidade através do consumo, da filiação às marcas, etc.

'Pertinente' seria 'importante', não? Algo que tem propósito? Mas também não remete às relações de pertinência? Quando algo pertence a alguma coisa ou alguém?

'Privado' pode ser algo íntimo, próprio, particular, possuido, ou (e, olha que legal, estamos quase resumindo toda causa e consequência da desigualdade social numa só palavra), simplesmente, aquilo que está faltando para alguém.

'Importância', 'valor', 'capital' (principal, fundamental)... tudo tem um significado extremamente ontológico... e é sinônimo para 'dinheiro', também.

domingo, 21 de março de 2010

A Vi, Enquanto Visita, Hesita

Ela, travessa, atravessa a travessa, avessa, através
da importância de seu primeiro andar,
alheio a qualquer corredor

E para subir então eis cada escada,
e igual de grau cada degrau
A janela, já nela, emoudura o momento
que mal dura
enquanto (leve) é levado o levado rapaz
pelo elevador

E a campanha até a campainha só se encerra
quando mais alguém pisa no piso que se encera
para conduzir a vereda
à varanda.


=D

sexta-feira, 19 de março de 2010

2016: olimpíadas; 2014: copa; 2012: fim do mundo! =D

Como todo carioca, ele ria de janeiro, com certeza, ao encarar o desafio de buscar refúgio em sua própria cidade. Ele ria do colapso das concessionárias de serviços públicos, da alienação dos turistas, sob o involucro do consumo. Ria da insegurança e inexperiência que seguravam a pistola, e dos moradores de rua e pedintes que se tumultuavam feito e junto ao lixo, enquanto as preocupações do prefeito se resumiam à copa, às olimpíadas, ao consumo de álcool, de água de coco da praia e à (perigossissima, calamitosa, uh!) publicidade irregular.

Seu Tião vivia sempre sob a eterna pressão (da qual ninguém tem coragem de falar) que o exigia forte o tempo todo, forte sobremaneira. A vida além de sua porta cobrava firmeza, postura, caráter, fibra, e, depois de certo ponto, conformismo e serenidade diante do constante abuso à sua resistência. Faltava força, luz, água, transporte, segurança. E não ser da condução que foi assaltada era motivo p'ra ligar p'ra casa feliz, e comemorar seu próprio atraso, seu próprio aperto em meio ao suor de outros quatro corpos sobre o mesmo metro quadrado. Era preciso ser forte, principalmente para suportar SE DIVERTIR, diante de uma cidade sempre dita tão e somente "maravilhosa".